quarta-feira, 28 de março de 2012

Retratos Vazios

Retratos vazios
 Notificação
Há retratos que caíram das colunas onde, generosamente, foram colocados. Continuam a ser retratos. Mataram o tempo, fixaram o momento e deixaram-se amarelecer. “Olha, como tu eras aqui…” – e o dedo apontava ao passado que se tinha à frente. - Viviam-se momentos, éramos, brincávamos a atirar bolas contra as paredes do vizinho e da vida. - Está tudo aqui. Vês? Nós é que não estamos lá. Matámos esse tempo. Amarelou e caiu das colunas. Ficaram papéis.
Não são só as imagens acinzentadas que teimam em permanecer. Também as palavras desenharam traços de poder que um dia – talvez já hoje - testemunharão quadros vazios, agressivos e inúteis, mas que o giz da vida não deixa apagar.
Ainda há dias, há muito mais de meia dúzia de meses ou anos que me fizeram chegar um documento feito de palavras armadas num tom acinésico, esquecidas de que - como diria Montaigne no ensaio “Da arte de discutir “ Fata uiam inueniunte” – os destinos abrem o seu caminho. “Notificação” aclarava as veredas e o destino. Estava escrito.
Vinha, como dizia o quase aposentado destinatário, com todos os requintes a que tinha direito. Que fique então registada nos quadros vazios.(Ler "Notificação" na página “retratos vazios”).
Há quem não só não deixe que a vida faça o seu caminho como impõe destinos e trilhos que apenas agradam aos próprios. Autoafirmam-se junto de um círculo balofo, suportado pela sombra de leis armadas numa noite de insónia de uma qualquer alta patente da instrução, ou pior ainda, muito pior, educação.
Falemos de Retratos vazios. Porquê Retratos vazios? – Parafraseando Agustina no Sermão do Fogo, na familiaridade que dá a argúcia de pedir, há quem se deixe tratar por pancadinhas canalhas até pelos mais baixos ajudantes de banca. Assim se pára a vida. Assim se constroem os quadros que nunca deixam de ser vazios. Inúteis.
Vamos então emoldurar a “Notificação” e encaixilhar outros retratos para que permaneçam junto da coluna à guarda da deusa Baubo. Que os guarde bem… e não mais regressem aos  quadros negros das escolas.

segunda-feira, 19 de março de 2012

Sala das colunas

Já nem me recordo bem. Talvez tenha sido a semana passada, ou há pouco mais de trinta anos. Talvez quarenta. Não, não foi isso. Há quatrocentos e vinte e tal dias. Número estranho e sem qualquer memória que teime em fixar-se num quadro vazio. O livro que então percorria no silêncio terminava com uma paráfrase de “Assim falava Zaratustra” de F. Nietzsche: “ O ideal para mim seria olhar a vida com um sorriso nos lábios e não como os cães com a língua de fora.” A correr. Houve tempos em que isso não aconteceu. N“O Livro do Desassossego” Bernardo Soares deixa deslizar as palavras num lamento triste porque na “vida de hoje, o mundo só pertence aos estúpidos, aos insensíveis e aos agitados”. O direito a viver e a triunfar conquista-se hoje quase pelos mesmos processos que se conquista o internamento num manicómio: a incapacidade de pensar, a amoralidade”. O poder.
Sei apenas que foi um tempo de ressonâncias ridículas de risos, que me levou a prosseguir na construção da “Sala das colunas”. Nesse tempo havia as ilusões absolutamente necessárias para ter sonhos. As ilusões acabaram, os sonhos ficaram mais vazios. Teimosamente permanecem. Nada mais ficou dependurado nas cercanias da memória, apenas o tempo para dormir o suficiente e aconchegar o pensamento. “Deixemos, então, dormir o tempo”, enquanto tomamos chá e saboreamos scones fofos.
“Sala das colunas” é apenas uma Ágora simples, espaçosa, onde a conversa pode seguir longa e pernoitar.
Da Ágora brotam sete ou oito colunas, uma ou duas já partidas. Peças de um jogo de tabuleiro, ali continuam elegantes e alinhadas duas a duas. Nelas serão dependurados quadros, fotografias, pinturas e palavras que falam disto e daquilo. A um canto – numa sala sem qualquer canto é estranho falar de cantos – demorada já há algum tempo, uma vassoura sai de um balde encostado ao último grito de detergentes e  panos húmidos.
Nos “retratos vazios” serão emoldurados restos de papéis e palavras elevadas transitoriamente à categoria documental. Graciosamente arrumados na base de uma das colunas, os caixilhos lascados estão cobertos de pó. Ficarão à guarda de Baubo.
 Ali, na “coluna fotográfica” permanecerão – porque é disso que se trata – imagens fotográficas, como se fossem máscaras que tendem a ludibriar a fluidez do tempo.
É nesta sala que nos iremos encontrar. É ampla, sem paredes, nem tetos. Apenas o chão e as colunas. Aqui, facilmente se pode provocar o encontro, estar em presença, olhar a vida com um sorriso e esquecer os entorpecidos mentais que vão transformando o mundo num manicómio.
Num tempo sofregamente partido, na sala se ajeitarão as palavras de tom derrisório, irreverencioso, crítico, mas pautadas pela dignidade devida ao ser humano.
Será apenas um espaço onde podem acontecer encontros do falar…sobre...Literatura, sobre…Fotografia….sobre…Teatro, sobre…
 E tudo isto porque nos apetece.