Pastel de nata .
Já
houve um ministro deste Portugal empobrecido que avançou com a ideia de
explorar o filão económico do pastel de nata. Não resultou lá muito bem, mas
valeu a intenção. Coisas deste país solitário: acabou por ser ele o
exportado conjuntamente com muitos portugueses que o próprio sugeriu que se
“auto - exportassem”, com a diferença de que estes foram à procura de sobrevivência.
Cena
1

Enquanto
descia a escada rolante, meio tombado sobre o carrinho, fui olhando para os
papéis da caixa. Interessante: …% desconto em cartão, em toda a carne de bovino,
mas, melhor ainda, 100% em cartão, num pastel de nata nas lojas “Bom Bocado”.
-
Boa. Carne de bovino, nem por isso, agora um pastel de nata com 100% de
desconto… quando cá voltar hei-de ver se aquele bar, ao fundo do corredor, é
uma loja “Bom Bocado”.
Cena
2
- É
hoje. A loja “Bom Bocado” está ali.
Encostado
ao balcão, pedi um café e o tal pastel
de nata salvador da economia. Entretanto, apresentei o vale de desconto.
A
colaboradora (agora diz-se assim) olhou para mim e ficou a meio caminho entre o
dizer e não dizer. Ganhou tempo, limpou um pouco o balcão e acabou por
esclarecer:
- Café
e pastel de nata são 85 cêntimos, mas se utilizar esse vale… então o preço é de um euro e trinta e cinco cêntimos.
- Desculpe,
não percebi lá muito bem, pode repetir?
- Um
café e um pastel de nata são, habitualmente, 85 cêntimos, mas utilizando esse
vale de desconto custam um euro e trinta e cinco cêntimos, sendo o desconto em
cartão de 50 cêntimos.
Engoli
em seco o café quente e recoloquei o pastel no pequeno prato.
- Belo
negócio, sim senhor, empresto dinheiro ao “Continente”, assumo a obrigação de
lhe comprar os produtos com o dinheiro que lhe emprestei e ainda por cima fico
com a fama de ter um desconto de 100%. Tretas.
Fechei
a boca engasgada com as palavras por dizer, afastei o prato com o pastel de
nata, deixei 85 cêntimos em cima do balcão e afastei-me.
- Olhe,
o pastel de nata…
- Deixe
lá, em vez de emprestar os cinquenta cêntimos, prefiro pagar o pastel de nata
ao Continente, como faço, com alguma frequência e com maior respeito, aos sem-abrigo.