domingo, 17 de fevereiro de 2013

UM POVO SEM ABRIGO NÃO PRECISA DE BANCOS PARA NADA



Não tenho que pedir desculpas a ninguém. Não recebo lições de moral sobre questões de sensibilidade (social). As que eu tinha a receber, recebi-as em casa, da minha família, da escola e da igreja católica (resposta de F. Ulrich, presidente do BPI, ao deputado João Galamba).

O povo português aguenta mais sacrifícios… ai aguenta, aguenta!… Então se os sem-abrigo aguentam, porque é que nós não aguentamos? (F. Ulrich, presidente do BPI).

Quando ouvi as palavras deste senhor, ilustre responsável diretor de um banco, fiquei a um passo de rir e a outro de chorar, mas decidi-me ficar pela revolta. Nem rir, nem chorar. Esta ilustre gente que dirige este pequeno país não conhece minimamente as condições em que o povo português vive. Não sabe fazer contas para sobreviver porque a vida nunca o exigiu. Porém, para muitos, os magros euros deixam muito mês ao deus-dará. Para o senhor Ulrich não. Um dia, talvez seja ele que não se vá aguentar, se Portugal se tornar num cantinho dos sem-abrigo. Todos aguentamos tudo, ou quase tudo…mas isso não é paz social, nem  progresso, nem alicerce da dignidade humana.

Voltemos às lições deste ilustre diretor do BPI: ele dá lições, ele fala, ele considera, ele fala, ele dá sentenças, ele diz… os outros, sentados sobre o fio da navalha da vida, ouvem e devem de obedecer. Entende-se, é diretor…e os diretores dirigem, governam e não recebem lições de ninguém. Mas não foram eles que deixaram este país neste estado? Então não deveriam ser eles condenados a contar os tostões da sobrevivência? Claro que não serão julgados, até porque as lições que tiveram foram na escola, em casa, da família e da Igreja católica. É aqui que começam as inquietações e muitas interrogações: estas lições vieram da escola pública que agora pretendem destruir? dos amigos sem abrigo? Da igreja católica, qual? A dos sem-abrigo ou da Opus Dei?

Os grandes grupos de interesses económicos passeiam-se por onde lhes apetece, crentes na justiça inexistente que os sustenta… até que um dia este benevolente povo que os aguenta perca a paciência e, cansado de aturar isaltinos, loureiros, valentins, sócrates, cavacos, ulriches e outros convivas semelhantes, lhes estenda os lençóis debaixo da ponte e os deixe a contar tostões em vez de milhões. Um povo sem-abrigo não precisa de bancos para nada!

Todos sabemos que tudo isto não passa de desabafos e lamentações.

Lá fora tudo continua na mesma. O vento continua a soprar, se houver vento, a fazer sol, se houver sol, a nevar se a neve cair. Valha-nos isso.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

AVARIAS (2)



HAJA  LUZ !

A EDP enegreceu a noite de sexta-feira. Sexta-feira, sábado, domingo, segunda, (vim a saber que a participação da avaria, nem sequer tinha sido registada) terça, quarta-feira…

É demasiado tempo! Deverá haver uma solução… Perguntemos a quem, provavelmente, sabe mais disto do que eu.

Perguntei e disse que todos os dias ouvia a mesma música que me estava a deixar meio maluco, que na segunda-feira ainda não tinham registado nos serviços de avarias da EDP a avaria, embora a comunicasse no sábado, domingo e segunda, que corria o risco de ficar meio surdo, que às vezes não me atendiam, que a última menina que me atendeu deveria estar cansada e mal-humorada, que mal se percebia e parecia ser chata e sem jeito para aquilo… enfim, um monte de lamentações que certamente apenas serviram para provocar o riso aos operadores da EDP.

-Lamentamos, não podemos fazer nada, a não ser reforçar o seu pedido.

- Obrigado. Não vale a pena dizerem mais nada. Já disseram tanta coisa…

Não vou massacrar mais os operadores que simplesmente cumprem a sua missão de salvar a cara dos milhões dos outros. O consumidor é apenas um grão de areia. Os acionistas é que contam. Ainda por cima estou no fim da linha!

A EDP não estava minimamente preparada para uma situação de emergência, nem as mentiras do seu chefe máximo convenciam quando, decorridos quase oito dias, dizia que havia apenas um número muito reduzido de habitações sem luz. 

Falava-se por aí que para dois concelhos com diversos estragos havia apenas uma brigada. Duas pessoas. Para a EDP eram, provavelmente, o suficiente. A quantidade de pedidos de reparação demonstrava que não era.

 Quando chegar a altura, vamos pagar a fatura quer se faça luz cedo ou tarde. E, muitas vezes, o dinheiro não chega para pagar o que tardou em chegar.

Para muitos, oito dias de espera foi demasiado tempo. Apesar de tudo tive um pouco mais de sorte. Cinco dias e pouco. Num belíssimo fim de tarde de quarta-feira, chegou a luz elétrica.

 Pausa. A luz elétrica chegou!

Apagaram-se os cadeeiros a petróleo.

Fixei as lâmpadas e não lhe achei piada. Trouxeram-me à memória outro tempo. Arrumei os candeeiros e recomecei a ter saudades do tremelicar da sua luz, das chaminés que se partiam facilmente e da lareira quente da minha meninice.


sábado, 2 de fevereiro de 2013

AVARIAS…



- Bem vindo à EDP, distribuição. Serviço de avarias elétricas. Se a sua chamada tem a ver com avarias... marque  dois… três…

Marquei. Três. Fiquei à espera… à espera, à espera.

- Devido a um anormal afluxo de chamadas … não é possível ficar em lista de espera…

Tentemos novamente.

- Bem vindo à EDP, distribuição. Serviço de avarias elétricas. Se a sua chamada tem a ver com avarias... marque dois… três…

Marquei. Três. Fiquei à espera, à espera, à espera.
… … …
- A sua chamada será atendida dentro de dois minutos… (música roufenha: prum, prum…prum…) Dentro de um minuto…. (prum…prum...prum…). 

Afastei o telemóvel do ouvido.

- Dentro de trinta segundos…(prum…brum...tr...tr...tátátá…prum…prum…). Dentro de instantes…

- Bingo, consegui, vou ser atendido dentro de instantes! – Gritei para o silêncio escuro da casa.
- (Pausa) A sua chamada encontra-se em lista de espera. (Brrum, brum...brr… prum…prum…).
- Mau! Voltei ao princípio. Mas não desisto!

Do outro lado, apenas se ouviam pausas e rouquidão. Não sei que som era aquele: de trompete, clarinete, orquestra desafinada, disco riscado…seria do tempo? Que coisa! Sei que estavam a dar-me música. Muita música. (prum…prum…prum…).

- (De novo) A sua chamada encontra-se em lista de espera.
- Então para que foi aquela contagem decrescente: dois minutos…um...trinta segundos…zero… (?)
- (Outra vez) A sua chamada encontra-se em lista de espera.

O tempo passa. O telemóvel salta de um ouvido para outro. Os sons da EDP não eram música, tornaram-se num massacre.

- A sua chamada encontra-se em lista de espera… continuava a voz seca da menina. Outra vez...de novo, outra vez!
- Teimoso, como a teimosia da EDP, vou resistindo. Já agora quero ver onde é que isto vai parar. Prum...prum…prum…

Passaram quarenta e cinco minutos. Pi…pi….pi…

- É agora. Chega de espera, quarenta e cinco minutos é muito tempo! Sejamos benevolentes:  “devido ao anormal afluxo de tráfego…”

Chove, o vento rijo e veloz estremece e parece querer acalmar.

- A situação é a seguinte…
- Diga-nos o código do local.
- Disse e expliquei a situação.
- Ainda hoje uma equipa técnica passará pelo local. No caso de ser necessário contactá-lo, pode ser para este número?
- Sim este…ou um outro…

Eram cerca de vinte horas e quarenta e cinco minutos. Aguardemos. Esperemos pela equipa técnica que ainda vem hoje resolver o problema. Meia-noite… meia-noite e trinta. Uma hora. Fiquemo-nos por aqui. Os homens já não vêm hoje. É noite escura e eles têm mais que fazer.

Entendamo-nos: devido ao anormal afluxo… A sua chamada será atendida dentro de dois minutos… dentro de um minuto… Dentro de trinta segundos…Dentro de instantes.

Não foi. Estava perante um deus: um instante era a eternidade. 

O sono fugiu dessa noite e sentou-se à porta da casa, à espera da equipa técnica prometida. (Continua)