sexta-feira, 26 de julho de 2013

ESTÓRIAS DE ENCANTAR

5 - Nas finanças. A invenção de respostas

Havia, por ali, muita gente de rosto fechado. De quando em quando, sentia-se um suspiro mais fundo ou um desabafo misturado com meia dúzia de palavras nervosas. Lamentações.

Com o número de ordem na mão, olhávamos o monitor, o número e o balcão de atendimento.

Havia frases desconexas por detrás do balcão e, fora dele, balbuciavam-se nomes amargos sobre o país em que se vive.

- Pronto, agora os computadores voltaram a ir abaixo…não sabemos quando é que temos sistema e… já não é a primeira vez que isto acontece. É preciso paciência…muita paciência…

- Paciência, paciência… pagamos tudo com demasiada paciência!

Alguns, hesitantes, acabaram por sair; outros, mais teimosos, olhavam os funcionários e esperavam respostas.

 - Ainda bem que as máquinas “cracharam” (que palavrão feio… nem português chega a ser!), vou-me embora e tentar resolver o assunto de outra forma. As perguntas (que deveriam ser feitas) não justificam o cansaço da espera.

Inventem-se as respostas e o diálogo possível, nesta realidade que ultrapassa a ficção.

- Sendo um invólucro registado “a brincar”, se acontecer um qualquer extravio, a responsabilidade das consequências é do contribuinte?

- Claro que é.

- Qualquer instituição, empresa, entidade de crédito … avisa, antecipadamente, o indivíduo que tem responsabilidades financeiras com elas. Por que é que as finanças não o fazem, se há alguns anos o faziam?

- O contribuinte tem obrigação de conhecer os seus deveres fiscais.

- Mas…se informam do tempo de cobrança do IMI, IRS, etc..etc…por que motivo o não fazem com o imposto de circulação?

- Porque, assim, há mais juros e coimas e entra mais dinheiro nos cofres do estado.

- Se o imposto de 2008 e 2010 foram pagos, sempre na mesma repartição de finanças, por que é que em 2010 não se informou o contribuinte de que o ano de 2009 estava por liquidar?

- Porque…

- Se, por suposição, o imposto já foi pago, mas não há documento comprovativo (por inutilização, perda…) a responsabilidade é sempre do contribuinte, as finanças nunca se enganam?

- O contribuinte é sempre o condenado… a pagar.  
                                               
As noites com pouco luar deram lugar aos dias de roubo continuado dos contribuintes. Todas as nesgas possíveis para cobrar impostos, coimas…juros servem para depauperar ainda mais o cidadão.

O estado português tornou-se uma enorme repartição de finanças a quem todos devem. Perdeu-se a dignidade e ficou um governo de “boys” em permanente guerra com o povo que diz governar.





É noite, mas ainda há esperança de que um dia seja o cidadão a fazer as cobranças a quem o vem depenando.

Fiquemo-nos por aqui…porque…

afinal…estas estórias não são de encantar. São apenas de tristeza e desencanto.


quarta-feira, 17 de julho de 2013

ESTÓRIAS DE ENCANTAR

4 - Nas finanças

Sempre o mesmo ritual: entrar, carregar no botão da máquina, retirar um papelito - o meu número de ordem.

Com a senha na mão, o olhar baloiçou entre o quadro eletrónico e o número "E087". 

Era cedo, mas já havia dezenas de contribuintes à minha frente, à espera, cansados. Sentia-se o cruzar de olhares nervosos que tornavam o ambiente pesado e triste. O estado estava em guerra com os  contribuintes portugueses.

- Não fico aqui à espera.  É uma parvoíce desperdiçar o tempo desta maneira.
Meti o número dentro do bolso e abandonei a sala.

- Vou resolver o assunto de outro modo e, quando as coisas acalmarem, voltarei com duas ou três perguntas.

ESTÓRIAS DE ENCANTAR

3 – Coisas da minha ignorância: complicar o que era simples

A tarde estava quase no fim e o sol esqueceu-se de entardecer bonito.
- Talvez a loja dos correios (CTT) ainda esteja aberta.
E estava. Ainda não tinha virado papelaria, nem mudado para a tasca do perigoso onde ainda se jogavam as cartas e os matraquilhos a copos de vinho tinto.
Senhor do meu nariz, mas sem senhorias nenhumas, entrei, carreguei no botão da maquineta e esperei pelo papelito que me dava a hora de chegada e a ordem de atendimento. Agora, era só esperar que o meu número aparecesse no quadro eletrónico.
Não esperei muito tempo; o meu número apareceu cedo.
Encostado ao balcão, puxei do bolso o invólucro-mensagem – nem carta chegava a ser – coloquei-o em cima do balcão e expliquei ao que vinha:
- Encontrei na caixa do correio este invólucro registado, mas que eu saiba, ninguém assinou.
- Deixe ver. Ah! É um registo simples, não é preciso assinar. O carteiro deixa-o na caixa do correio como se fosse uma simples carta. É que agora há este tipo de registos… não exigem assinatura aquando da receção.
Ouvi e não pronunciei palavra…
- Pois, foram milhares… é para pagar o imposto… o antigo selo do carro…
- Mais ou menos isso.
- O registo simples não exige assinatura.
- Então, há o registo simples e o…outro?
- Este registo não exige assinatura no ato da receção...É um registo simples!
Tudo estava claro.
Desencostei-me do balcão, baloicei o corpo e caminhei para a porta. Na cabeça martelava-me a pergunta: - mas para que raio serve um registo simples? E se o carteiro o coloca noutra caixa de correio, como não raras vezes tem acontecido? Como é que provam que foi entregue? – Não faz sentido.
Pelo caminho fui descodificando “simples” e “complicado”: Simples do latim simplex (semel + plex) que significa “com uma única dobra, sem dobras, sem complicações; “complicar” – do latim complicare, isto é, ação de dobrar, em contraste com simplificar.
Afinal fui eu que dobrei o envelope várias vezes e compliquei. A coisa era simples”, “sem dobras” para as finanças e “complicada” para os perto de 4000 automobilistas notificados: tinham que pagar.
No dia seguinte, segui para as finanças.

terça-feira, 16 de julho de 2013

ESTÓRIAS DE ENCANTAR

2 – COISAS DA MINHA IGNORÂNCIA: correio registado,simples, nacional

– Correio registado… mas, que eu saiba, ninguém assinou no ato da receção… ou talvez seja a minha ignorância a sobrepor-se à clareza das coisas simples. Vou saber.  
– Os vizinhos não terão assinado?
– Não, ninguém assinou.
O invólucro-mensagem chegou ”simplesmente “ à minha caixa do correio.
Tive sorte não ter ido parar à mercearia do fundo da rua, à papelaria da esquina, à casa de pasto da rua estreita, ao mini - mercado da dona Rosa ou à tasca da aldeia.
– Não está mal, não senhor: é o “correio de proximidade”; enquanto se bebe um copo à conta da reforma que um dia destes deverá chegar por ali, se folheia um livro, se toma um café ou se avia um quilo de o açúcar, recebem-se as cartas da EDP, da água, gás, telefone, televisão, seguros e impostos.
As coisas mudam e, com demasiada frequência, para pior. Abandalham-se… sempre à custa das pessoas a que se destinam os serviços.
Os CTT não deveriam continuar CTT e um “registo” não deveria ser simplesmente um “registo”?
- Não. Há as lojas dos correios, os estabelecimentos comerciais que também fazem de correios… e os registos simples ou não…como adiante se verá.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

ESTÓRIAS DE ENCANTAR


1 - Invólucro Mensagem


Como habitualmente abri a caixa de correio (do correio, correio, não o eletrónico, entenda-se) e no meio da publicidade sem interesse, das cartas da eletricidade, da água e de outras para pagar… encontrei um “invólucro”: mensagem da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT). A coisa pareceu-me séria.

Um pouco a medo e para evitar contaminação, isolei o invólucro do resto das cartas, mas… de tão leve que vinha que o deixei cair. Uma rabanada de vento aproveitou o gesto e vai disto: de ziguezague em ziguezague, atirou o “invólucro” contra os arbustos. Ainda estrebuchou um pouco, abanicou-se e por ali ficou. Desconfiado, fixei o “invólucro” em fuga e, pé ante pé, aproximei-me sem fazer barulho, não fosse a cena repetir-se. Estava ali uma comunicação da autoridade! A AT vinha facilitar-me a vida e é para isso que as instituições servem: não obrigarem o cidadão a correr muito porque, se o fazem, não há “invólucro”, nem cidadão que se preze, que não fuja.

Curvei-me a contragosto perante o papel da autoridade tributária, segurei-o bem, não fosse a coisa fugir de novo. Sem nenhum salamaleque, rasguei-o um pouco e abri.

Respirei fundo.

- Ah! Então é isto…estava em dívida...sempre me considerei cumpridor…mas desta vez, não! Com que então em dívida com a autoridade tributária e aduaneira, eficaz protetora deste país!…pior ainda porque a dívida é de 2009. Antiga, mas nem por isso escapou. Nesta altura ainda devia o IUC do meu velho UMM que, tranquilo, continua à espera de uma bateria, à sombra do arbusto que segurou o “invólucro” que me envergonhava. Que coisa! Fiquei chateado: o que fiz foi uma ofensa ao velho amigo jipe: não anda, mas merece que se pague o imposto de circulação! É um direito seu, já adquirido!

Dobrei o envelope em meia dúzia de asneiras, passei junto do jipe, passei-lhe a mão pela pintura desbotada, pedi-lhe desculpa e garanti-lhe que iria resolver a calotice.
- Bem, não fui assim tão mau…  2007,  2008, 2010, 2011 estavam em dia e "gozavam o prato" com o ano fugitivo, marginal. No melhor pano caiu a nódoa: 2009 estava ali, naquele papel, a apontar-me o dedo. A Autoridade decidiu envergonhar-me perante o jipe e “involucrar-me” num invólucro mensagem - correio registado, simples, nacional. (continua)

(2 - Coisas da minha ignorância:correio registado. Simples. Nacional