segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

BOM ANO


"O novo ano tem cheiro a esperança com uma pitada de pólvora”.

Abri o correio eletrónico e dei-me com esta mensagem de CN. Fora do comum, foge da frase feita e dos trejeitos dos rituais que o tempo vai desvalorizando.

De facto, hoje despedimo-nos de 2012 com uma mão cheia de nada. Há um ano, fazíamos os mesmos festejos, as mesmas despedidas e formulávamos os mesmos votos de esperança, provavelmente mais convictos e menos tristes e inquietos.

São onze horas da noite. Daqui a pouco estaremos em 2013. O vento sopra. As nuvens são densas. Sentados à lareira, tecemos esperanças, sem pitadas de pólvora.

“Um bom ano, muito melhor do que apregoam”, escrevia a Dora. É isso: bom ano com um cheiro a esperança. Mas chove. Chove muito.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

TIMÃO DE ATENAS


Dizem-nos que fomos ricos… dizem-nos que somos pobres…

1
No dia em que escrevia estas linhas (1), a Companhia de Teatro de Almada (CTA) estreava “Timão de Atenas” (Timon of Athens – 1607-1608) atribuída a W. Shakespeare. “Timão de Atenas” foi a última encenação de Joaquim Benite, recentemente falecido. Rodrigo Francisco, assistente de Joaquim Benite, assumiu a direção artística do CTA e do Teatro Municipal de Almada (TMA). O público presente no dia da estreia - envolvido num misto de emoções, de saudade – entenderá o extremo cuidado colocado nesta encenação, o que distingue a alma dos grandes homens de teatro. Esteja onde estiver, Benite continuará a ouvir repetidamente as palmas dos seus atores e do seu público.

2
“Timão de Atenas”, homem rico, deslumbrava os seus amigos com banquetes e festas sumptuosas. À sua sombra, gravitavam ilustres atenienses, políticos, homens das artes, prostitutas, pensadores e os que se diziam seus amigos que o cultuavam com rasgados elogios e agradecimentos. Um dia, a penúria bateu-lhe à porta e os “amigos” abandonaram Timão. Em vez dos elogios, começaram a sobrar recusas e recriminações. Timão resolveu vingar-se e convidou os habituais frequentadores de sua casa para um banquete semelhante aos banquetes dos tempos de riqueza; mas, em vez da mesa farta, serviu-lhe apenas pedras acompanhadas de água.

3

- AH, muralhas de Atenas, vou olhar para vocês pela última vez. Vocês que cercam esses lobos, caiam por terra e deixem Atenas ao deus-dará. (…)

Escravos e idiotas arranquem do plenário os veneráveis membros murchos do senado e assumam o poder (…) Falidos do mundo, uni-vos – em vez de pagarem as dívidas puxem pela navalha e rasguem a garganta dos credores. (…) Que a fria ciática lese tanto os nossos senadores que os seus membros fiquem frouxos quanto os seus costumes (…) 

Timon vai para a floresta, onde a fera mais desumana é mais humana que a humanidade (…)

(William Shakespeare, Timon de Atenas, ato IV, cena 2 (excertos)).




2
Só, desiludido com a vileza do ser humano, retirou-se para a floresta. A frugalidade que esta lhe oferecia, forçou-o a escavar raízes para se alimentar. Na contínua luta pela sobrevivência encontrou ouro. Muito ouro. Mas de que lhe valia o ouro se não o podia comer?

3
- Ouro amarelo, fulgurante, ouro precioso! … Basta uma porção dele para fazer do preto, branco, do feio, belo; do errado certo, do baixo, nobre; do velho, jovem, do cobarde, valente. 
Ó deuses! por que é isso? O que é isso, ó deuses?...O ouro arrasta os sacerdotes e os servos para longe do altar, arranca o travesseiro onde repousa a cabeça dos íntegros. Esse escravo dourado ata e desata vínculos sagrados, abençoa o amaldiçoado, torna adorável a lepra repugnante, nomeia ladrões e confere-lhe títulos, genuflexões e a aprovação da bancada dos senadores (…)


2
É dezembro. Vagueio pelas ruas e não vejo o cintilar das luzes nos lares. Vive-se triste. É tempo de Natal, de sonhos e de ilusão de paz. Subjugados pelas dificuldades que o ouro dos outros nos impõe, governados por estrelas cadentes, procuramos alguma luz nas copas das árvores do Natal. Roubaram-nos o ouro da floresta e fecharam-nos dentro das muralhas de Atenas.

Dizem-nos que fomos ricos, dizem-nos que somos pobres, quando somos apenas portugueses -  atenienses - à procura de um presépio, mesmo sem vaca e sem burro. Os burros fugiram todos e andam por ai com os alforges carregados de ouro a “nomear ladrões, a conferir-lhe títulos, genuflexões e a aprovação da bancada dos senadores.”

Dizem-nos que somos próximos de “Timão de Atenas”. Durante as burlescas cerimónias inventadas para darem brilho aos atos pálidos dos senadores, dizem-nos… para termos esperança. Dizem-nos… mas já ninguém acredita nas mensagens de Natal dos senadores, repetidamente vazias…. Mas não deixa de ser NATAL!
  
(1)  –“Timão de Atenas”, atribuído a Shakespeare, foi levado à cena pela Companhia  de Teatro de Almada, em co-produção com o Teatro Nacional Dona Maria Segunda (TNDMII), no dia 20 de dezembro.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

POSTAL DE ANIVERSÁRIO




Está um fim de tarde de tempo cansativo. Uma chuva miudinha embrulha-nos o olhar no nevoeiro, enquanto ensaiamos pequenos passos pelo terraço da casa. Tempo escuro e quase triste que não deixa ver a serra. Que tempo!

Apetece estar à lareira.

Fiquemos então à fogueira. A panda dorme no sofá grande, sempre a dormir! A dara, lá fora, continua a molhar-se, a ladrar e a galopar desalmadamente quando vê movimentos ou barulhos estranhos no seu território.

Sentemo-nos e conversemos um pouco. Sobre o tempo, não. Está frio.

Às vezes corremos demasiado e não damos atenção aos pardais que se aninham no beiral da casa, ao bom dia que se atira distraidamente, ao pequeno almoço trincado em silêncio e a despachar, ao cinema que não se vai, ao teatro de que se gosta e não se vê. Corremos despenteados ao sabor do vento e do tempo chuviscado e passamos ao lado da fogueira que nos aquece. Não damos atenção às portas fechadas e sem manípulo. Seguimos em frente. Sempre em frente. Casa, comboio, carro, trabalho, elétricos, como nós elétricos a mastigar a sandes da tarde. Caminhamos enquanto falamos ao telefone, fazemos barulho durante todo dia, saltamos passeios e encurtamos caminhos para apagar as fogueiras que os outros acenderam e, tarde, voltamos para casa. Uf! Amanhã há mais. Mais acidentes, mais sirenes, mais doentes, mais bebedeiras, mais drogas, mais hospitais, mais gente que não vive. Sempre mais. Só as noites continuam a ser curtas.

É noite. Dentro da casa, a fogueira crepita numa dança quente de línguas de fogo. Chamas bonitas e contentes. “À lareira, cansados não da obra/mas porque a hora é hora de cansaços,/ não puxemos a voz/ acima de um segredo”(1).

É bom estar aqui. Continuemos a conversar, enquanto aquecemos as mãos, quietos e descansados. Não lançamos foguetes, mas sorrimos e gargalhamos com as pastilhas elásticas dos pães de queijo e enesgamos o nariz ao pão travestido de bolo inglês. Sob o calor desta fogueira, bebamos champanhe! Hoje é dia de canções de sonho.

É meia noite. Voltemos ao terraço da casa, talvez a chuva tenha seguido o seu caminho e já nos deixe ver a serra. Não digas nada, olha apenas as estrelas e sorri em cada passo. “Cada coisa a seu tempo tem seu tempo”(1). E hoje é o teu tempo-dia: ouve o silêncio das palmas dos sons da noite, acende as velas e ergue uma taça de champanhe à vida porque “há só noite lá fora”(1). Parabéns.

(1) - RICARDO REIS, Odes -  Cada coisa a seu tempo tem seu tempo, 30-07-1914

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

VOTO DE QUALIDADE

IMI.CIMI.IMIC.IWI.iMi  Tive conhecimento de que na terça-feira, dia 27 de Novembro, a Assembleia Municipal a que se referia o texto “Voto de qualidade” alterou a sua decisão, aprovando a redução do IMI e CIMI: 0,39 e 0,7, respetivamente.
O Bloco de esquerda continuou a defender uma descida ainda maior e, por isso, a alteração não foi aprovada por unanimidade.
Ainda bem que se decidiu no sentido de não sobrecarregar ainda mais os munícipes. Ainda bem que a autarquia alterou a sua decisão. Apenas uma dúvida interrogativa: no ato de decidir, qual é o papel das Assembleias Municipais? Certezas… apenas uma: os deputados municipais, particularmente o presidente daquela AM, que inicialmente decidiram a favor do aumento do imposto, não ficaram bem na fotografia. Ficou tudo demasiado cinzento.
Tenhamos esperança de melhores dias de sol, sem decisões de cinza.

domingo, 2 de dezembro de 2012

Professores recusam avaliar aulas de colegas




“O que nasce torto, tarde ou nunca se endireita”.
Deram-se voltas e mais voltas, o disco girou, girou e tocou a mesma música. Remendo daqui, remendo dali, mas o “problema da avaliação” não se resolveu.

Um dia, haverá alguém que fará uma reflexão aprofundada sobre todo o processo de avaliação dos professores e das escolas. Então, talvez se venha a lamentar o desgaste, o cansaço, o tempo perdido e o mau ambiente em que a avaliação envolveu a maioria das escolas e tornou menos humanas aquelas em que as direções se colocaram em bicos de pés para serem preferenciais seguidoras das leis ocasionais e sucessivamente confusas e remendadas. Ainda não se demonstrou qualquer mais valia deste processo.

Hoje, quando li na primeira página do DN  “Professores recusam observar aulas dos colegas”, senti-me muito próximo e solidário com aqueles que querem ser professores. Apenas. 

Os professores consideram que não têm formação na área – não tinham ontem, não têm hoje e é provável que também a não tenham nos tempos mais próximos. Os pedidos de escusa começaram a chover, mesmo fora de tempo. Segundo o DN, serão indeferidos com base em questões formais.

 Não é possível que colegas da mesma profissão ajuízem competências dos seus colegas, sem causarem estragos emocionais que irão refletir-se, negativamente, no exercício profissional. Com o pedido de escusa deferido ou indeferido, o futuro irá dar-lhes razão.