terça-feira, 10 de abril de 2012

Tanatografia da formação de professores


                                                                     
Tanatografia da formação de professores
ou de um país
Desalinhado, a um canto da secretária, sossega o Diário de Notícias de quinta-feira, 5 de Abril de 2012. Nem mais. A coisa é séria, os títulos são graves: “Professores proibidos de tirar licenças para fazer formação”. “Subsídios de férias e de natal só voltam a ser pagos em 2015 e de forma gradual”, escreve-se mais abaixo.
Olhei, li em silêncio como convinha a um título de uma gravidade quase assustadora. Se o segundo título é entendível – habituámo-nos a perceber tudo – porque há eleições em 2015, já não é perceptível o primeiro. “Proibidos de tirar licença para formação”. Em 2010/2011 foram 130 professores. Cento e trinta vencimentos que deixaram de rastos as finanças deste país, enquanto Mário Soares, cevado de moralidade, vence distâncias, voando num veículo de mais de duzentos vencimentos mínimos. O problema não é o voo, mas quem paga as regaladas máquinas, pilotos e demais andarilhos. Erro meu. Todos sabemos quem paga.
Deixemos isso. Onde foi parar a formação? Ficou apenas um corte, um despacho e umas tantas viaturas a correrem. O saber foi um objecto que se petrificou e encaixotou num despacho. Fechou-se por um punhado de lentilhas. O saber que vale já não existe, importa apenas sofrer para pagar a ganância de uns poucos, a que chamam mercados e mercadores. São países inteiros a tentarem sobreviver sob juros de uma dívida contraída à sombra das velas ufanas dos barcos atracados em Vila Moura e, à bolina, vão fazendo naufragar os povos. Toda a gente sabe isso porque nada disto é novo. É fotografia envelhecida de um passado recente ladeado de dirigentes que constroem o presente-futuro sobre constante tanatografia. Vivem na imagem e deixam a realidade para os outros, enquanto lhes vão acenando com dois ou três bombons, lá para 2015.
“Professores proibidos de tirar licenças para formação”. Desequilibram-nos o olhar no fio de uma navalha. Tiram-nos retratos, fogueteiam palavras para continuarem fora da fotografia. Somos apenas imagens para quem nos “governa”. Uma fotografia que só dá a ver uma ausência, um corte da realidade. O que olhamos nunca lá está. “Isto foi” e ficamo-nos por aí. Na mentira.
Façamos então o retrato: não é preciso actualização, não é preciso estudar, não é preciso ler, não é preciso olhar o presente com olhos no futuro, não é preciso. É proibido tirar licenças para fazer formação, é proibido reformar-se antes dos 65 anos, é proibido…só não é proibido fixar este tempo doentio nos despachos que a pouco e pouco vão "despachando" a vida dos outros. Amanhã, será feita outra fotografia que corta e nos mata, tirada por uns tantos que vão vivendo na esfera do poder feito conspiração contínua de poucos contra muitos. O que se olha, o que se vê e se retrata nunca lá está. Fica fora do sofrimento.
Falta alguém que apresente uma tela que desequilibre o olhar para deixarmos de ser uma fotografia fora de tempo. Uma representação sempre em atraso, sempre deferida. Que venham novos escultores e pintores entusiastas de telas do presente para queimarem de vez os retratos amarelados deste país.
“Professores proibidos de tirar licenças para fazer formação”. Tanatografia lenta da formação. Do saber. De um país.
Desalinhado, a um canto da secretária, permanece o Diário de Notícias de quinta-feira, 5 de Abril de 2012, à espera…  esperando Godot.

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