segunda-feira, 26 de novembro de 2012

CASA SEM SEGREDOS


          CASA SEM SEGREDOS


Há alguns anos, Carlos Castro, morto em Nova Iorque, referindo-se ao “Big brother” da altura, considerava que aquilo já tinha tudo decidido. Quem iria ganhar e quem iria perder. Sabia-se. Na altura, referiu o nome do futuro vencedor, acrescentando que este seguiria depois para África (penso que para Moçambique) onde já estava uma equipa a preparar a estada. Ninguém desmentiu. Ganhou quem ele disse que ganhava e, pouco depois, o vencedor seguiria para África.

As emissões televisivas são construídas para estarem em conformidade com as “expetativas dos telespetadores”. Cria-se uma réplica ilusória da realidade em detrimento do real que o telespetador deseja esquecer. Inventam-se programas que apelam aos desejos básicos do ser humano. Têm concorrentes, têm audiência. Todos sabemos isso. O mundo está em mudança permanente; os valores defendidos como certos desapareceram. Mudaram. Mas…não se alpendoraram numa casa “sem segredos”.

Recentemente, sessenta ou oitenta mil acorreram à seleção para a ilusão, aceitando viver como marionetas e, pior ainda, bonifrates da dignidade. Escolhidos a dedo, por ali segue um desfile de capas de revista “Penthouse”, de “Marias” e de outras semelhantes. Nesta estória, aparece sempre o bobo da festa, o musculado, o chico esperto, decotes e pernas bonitas para apimentar o ambiente e tiradas de sabedoria ao deus-dará.  Aceita-se viver na confusão de uma camarata, coisa que se acontecesse no meio familiar de alguns concorrentes, os colocaria em guerra aberta com os pais e irmãos por falta de privacidade e individualidade. Vale tudo para deixar em paz o desejo das audiências de vasculhar o lado mais obscuro da vida dos outros.

Quando preparava este texto, retive um pouco de tempo numa ou noutra emissão do atual “Big brother”/ “Casa dos Segredos”. Não sei quem é quem, o que fazem fora da casa, nem donde vêm, mas o que vi e ouvi foi suficiente: um grupo de indivíduos fechados, para que todos os vejam, utilizadores de um código linguístico barato e escasso que não passa de fantoches enovelados em conflitos e simulacros organizados.

A “voz” (coisa estranha!) comanda a intriga, cria o boato interno, avoluma “o diz que disse” numa novela sem estória, cheia de frias cenas eróticas. Aqui e ali correm algumas lágrimas pelo meio de discussões forçadas, pontapés e cabeçadas. Puxa-se pelo sentimento até às lagrimas. Dramatiza-se, criam-se intrigas, edificam-se espantalhos e heróis em nome da fama e das audiências.

Teresa Guilherme “é mesmo o topo máximo de “carinhosidade”:
- Então, meninos, estão bonzinhos?...
- Sim…sim….
- Estão bonzinhos?...
- Petra – dita a “voz”, a outra - vai ficar chateada com a Mara, depois de uma grande discussão.
A “voz” mandou. Fechados e nulos vão dando show bacoco para meio mundo ver.
- A vossa missão era terem uma mega discussão, tiveram uma discussão. São depositados 15 euros. É tudo por agora.
Fora de cena, dá-se o assunto por encerrado.

Ontem, cruzei-me com esta suprema conversa entre a voz e os habitantes da casa:
- Dava ou não dava uma dentada à Alexandra?
- Depende do sítio.
- Quem é o chocolate mais amargo?
…É (?) … porque…emprenha pelos ouvidos…
- Quer saber quem vai lamber a tatuagem de… (?)
- Foi mesmo o topo máximo de “carinhosidade - diz alguém convencido desta grande tirada.
- Cheira aqui a sexo! – Comenta-se.
E assim por diante.

E a “festa” prossegue, sempre a quererem convencer-se de que estão num jogo que é só deles. Fechados à espera da capa de revista com mais ou menos roupa, de dois dedos de conversa com a Marta, agora redonda locutora das tias “jet set”, ou da entrevista no “Big brother” de M.L. Goucha a levantar as saias da Cristina Ferreira. Estrelato temporário com um naco curto de euros no bolso. Um mundo imaginário. Depois…vem a falência. A desilusão e o isoladamente. A depressão e a ponte sobre o Tejo.

Os fazedores de imagens ganham dinheiro com os efémeros heróis que vão construindo. Quando lhes dá mais jeito, deixam-nos cair sem qualquer benesse. Vive-se fora da realidade e, pior ainda, da dignidade. Aceita-se seguir com uma vida descartável e de entreter.

<!--[if !vml]--><!--[endif]-->Mas… telefone e decida quem vai ser expulso. Oxalá que não seja o SER humano.


A Associação Emergência Social, para a qual a produção da “Casa dos segredos” estava a angariar fundos através do leilão de objetos dos concorrentes, emitiu um comunicado no Facebook no qual afirma “prescindir de toda e qualquer ajuda “ por “não se rever no perfil do programa”. (CM, 21-11-2012).

Não sei quem é que iria comprar objetos dos concorrentes, mas há gente para tudo. A ser verdade a notícia, a Associação Emergência Social mostrou bom senso. É bom encontrar um pouco de bom senso quando este começa a rarear neste outono da sociedade.

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