segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Avaliações - 5º e último ato

Sobre a nudez forte da verdade,
o manto diáfano da fantasia

(Epígrafe de “A Relíquia” de Eça de Queirós
                            

AVALIAÇÕES  (5º e último ato)  
                      
IX –   Leituras e relatórios. Um passeio pelo teatro

As escolas “ensaiam” os encontros, preparam documentos, as linhas de luz e as peças de teatro a levar à cena durante dois ou três dias. Há reuniões com tudo e com quase todos. A equipa de avaliadores chega a uma escola, esquece-se de Molière e manda subir o pano do palco. Dá-se início à representação. Na boca de cena, o grupo de trabalho avalia. O público não ri, não bate palmas, nem assobia.

Representada a estória, o pano cai e a vida prossegue. Depois vem o relatório. Alguns estabelecimentos reclamam, contraditam, mas isso é um exercício didascálico sem retorno: se os atores principais são os mesmos, a resposta é sempre a mesma. Não conheço ”mise en scène diferente”.

Quando leio alguns relatórios, fico com uma vaga perceção de que, sem alterar o discurso, nem os adereços de cena, o “Bom”, poderia ser substituído pelo “Suficiente”, ou o “Muito Bom” por “Bom” ou “Excelente”. Depois dos elogios, os textos dos relatórios enervam-se (que não é coisa de bons atores) e enchem-se de “mas…”, “no entanto…” de “conselhos” e de algumas propostas. A avaliação fica feita e o cineteatro pode fechar as portas porque o público já abandonou o “foyer”. Irá reabrir alguns anos mais tarde, aguardando que o tempo divulgue nova programação com outros atores e melhores textos teatrais.

Os relatórios permitem uma leitura que releva, como sendo a vertente mais negativa de diversas escolas, as práticas pedagógicas, os resultados, a organização do trabalho, as estruturas intermédias, a indisciplina. Digamos que não é pouca coisa para tão grande cenografia.

Diz-me o contra-regra que esta leitura-percurso pela avaliação deixa muitas dúvidas: como já referi, excluindo a capacidade de autorregulação, campo que não irei abordar, as áreas de gestão e de liderança são as que têm melhores avaliações, enquanto os outros domínios (resultados e a prestação do serviço educativo) são os que aparecem com mais críticas negativas.

 É isto que não entendo. 

X – Por exemplo

Li recentemente um relatório que, tal como outros, “bate” nos resultados e na prestação de serviços, atribuindo-lhe “Bom”, “Suficiente” ou “Insuficiente”, já não me lembro bem. Os quadros intermédios são castigados com palavras pouco elogiosas, mas o diretor, ou a diretora, recebem elogios pela sua liderança e gestão escolar. Não entendo. Explique-se, nem que seja com um desenho: os quadros intermédios foram indicados pelos diretores (as) das escolas e a organização do serviço educativo também é da sua responsabilidade; a disciplina, ou indisciplina, passa pela orientação, atuação e responsabilidade da direção…então, a liderança e gestão escolar é que é boa, ou muito boa, e são as estruturas intermédias - direta ou indiretamente nomeadas - que não cumprem?

Numa qualquer empresa, se os resultados não são bons e se a prestação de serviços é sofrível, a direção é substituída pois corre-se o risco da empresa falir. Porém… avaliar negativamente as áreas de organização e gestão de uma escola não seria o ruir da cadeia de comando? Com o consulado da ministra Maria de Lurdes tornaram-se, prioritariamente, representantes do ministério e das estruturas governativas e não a voz das escolas junto dessas estruturas. Nem todos os diretores (as) procedem assim. Mas… (há sempre um “mas”, nestas coisas) Ninguém avalia negativamente quem o representa. Se os avaliadores o fizessem e se fossem coerentes, teriam que propor a sua demissão. E isso não pode acontecer.

Já que estamos a falar de poderes e de avaliação, expliquem-me, nem que seja com outro desenho de cena: não são os diretores (as) que avaliam os quadros intermédios, com “Bom”, “Muito bom” “Excelente” ou “Suficiente”?...E se esta avaliação não encaixar com a avaliação externa relativamente à ação desenvolvida por estas estruturas?

Ah! Pronto! Entendi: são campos diferentes de avaliação, há práticas, métodos, objetivos e itens diversos a pesar na avaliação. Uma avaliação é global, organizacional, e outra é individual. São áreas muito distantes uma da outra. Só o objetivo é o mesmo: melhorar, procurar a excelência. Porém as cenas deste teatro não encaixam nos atos desta peça.

XI - Fechem o pano. Mudem de comédia.

A implementação destes processos desgastou avaliados e avaliadores. Alguns - quero acreditar que foram muito poucos - “sentiram-se bem” porque, pela primeira vez, poderiam “ter na mão” (exagero meu!) os seus colegas de trabalho. Só não se desgastaram os bolsos dos viajantes de papéis e dos formadores que foram construindo ações fabuladas de informação formativa, as tipografias, os donos das fotocopiadoras, os produtores de papel, a EDP - as reuniões prolongavam-se pela noite dentro – o café e as farmácias curadoras do cansaço.


Poucos acreditam nas mais-valias do processo. Nem os que sofregamente adocicaram a vida, maquilhando-se nos camarins, com dois dedos de poder feito de mal-estar. E quando não se acredita no que se faz (se é feito é porque a pintura da caracterização legislativa diz para se fazer) fica-se pelo preenchimento de papéis informatizados e de flores que ditam um número qualitativo que faz doer.


Fechem o pano! Mudem de comédia! Escrevam novo texto de teatro! Levem à cena novo espetáculo!



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