Havia, por ali, muita gente
de rosto fechado. De quando em quando, sentia-se um suspiro mais fundo ou um desabafo
misturado com meia dúzia de palavras nervosas. Lamentações.
Com o número de ordem na mão,
olhávamos o monitor, o número e o balcão de atendimento.
Havia frases desconexas por detrás
do balcão e, fora dele, balbuciavam-se nomes amargos sobre o país em que se
vive.
- Pronto, agora os
computadores voltaram a ir abaixo…não sabemos quando é que temos sistema e… já
não é a primeira vez que isto acontece. É preciso paciência…muita paciência…
- Paciência, paciência… pagamos
tudo com demasiada paciência!
Alguns, hesitantes, acabaram
por sair; outros, mais teimosos, olhavam os funcionários e esperavam respostas.
- Ainda bem que as máquinas “cracharam” (que
palavrão feio… nem português chega a ser!), vou-me embora e tentar resolver o
assunto de outra forma. As perguntas (que deveriam ser feitas) não justificam o
cansaço da espera.
Inventem-se as respostas e o
diálogo possível, nesta realidade que ultrapassa a ficção.
- Sendo um invólucro
registado “a brincar”, se acontecer um qualquer extravio, a responsabilidade
das consequências é do contribuinte?
- Claro que é.
- Qualquer instituição,
empresa, entidade de crédito … avisa, antecipadamente, o indivíduo que tem responsabilidades
financeiras com elas. Por que é que as finanças não o fazem, se há alguns anos
o faziam?
- O contribuinte tem
obrigação de conhecer os seus deveres fiscais.
- Mas…se informam do tempo
de cobrança do IMI, IRS, etc..etc…por que motivo o não fazem com o imposto de
circulação?
- Porque, assim, há mais juros
e coimas e entra mais dinheiro nos cofres do estado.
- Se o imposto de 2008 e
2010 foram pagos, sempre na mesma repartição de finanças, por que é que em 2010
não se informou o contribuinte de que o ano de 2009 estava por liquidar?
- Porque…
- Se, por suposição, o
imposto já foi pago, mas não há documento comprovativo (por inutilização, perda…)
a responsabilidade é sempre do contribuinte, as finanças nunca se enganam?
- O contribuinte é sempre o
condenado… a pagar.
As noites com pouco luar
deram lugar aos dias de roubo continuado dos contribuintes. Todas as nesgas possíveis
para cobrar impostos, coimas…juros servem para depauperar ainda mais o cidadão.
O estado português tornou-se
uma enorme repartição de finanças a quem todos devem. Perdeu-se a dignidade e
ficou um governo de “boys” em permanente guerra com o povo que diz governar.
É noite, mas ainda há
esperança de que um dia seja o cidadão a fazer as cobranças a quem o vem
depenando.
Fiquemo-nos por aqui…porque…
afinal…estas estórias não
são de encantar. São apenas de tristeza e desencanto.
Hoje, apetece-me brincar um bocadinho com a nossa desgraça de servis contribuintes e uma das tuas frases, na parte final do texto, deu-me o mote. Aprendi, há muito pouco tempo, que esta situação não configura uma situação de "roubo", mas sim de "furto", pois para ser roubo, a ação teria que ser acompanhada de violência física ou forte ameaça. O "furto" é outra coisa, é algo mais sub-repticio, mais sorrateiro. Como vês, faz toda a diferença!...(risos) Mas não te preocupes, é só uma questão de tempo!
ResponderEliminarDe facto, o texto fala em roubo, mas como dizes, e bem, os "desvios" continuados a que estamos sujeitos, são suaves, sub-reptícios, isto é, "furtos". Mas estes malabarismos das finanças são de uma violência na carteira da vida de cada um que se parecem mais com roubos. Roubos e furtos - tudo junto.
EliminarEnfim, o "cidadão aguenta". "Ai aguenta, aguenta"! Até quando?